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Notícias do CEBRAC

Dilemas humanos contemporâneos

Por NATHÁLIA ANTONIO.



Vivemos em um cotidiano abarrotado de informações por todos os lugares. Somos afetados por imagens, ideias, sugestões do que fazer, comprar e, até mesmo, como devemos “ser”. A tecnologia tem nos aberto portas, porém tem nos causado alguns problemas, dentre eles, transtornos psicológicos.

Somos seres humanos do século XXI, passando por uma grande transformação de ideias, que antes pareciam ser concretas, mas que atualmente estão sendo desconstruídas. Pouco a pouco nos perdemos para somente então nos acharmos no caminho certo.

Apenas um especialista no assunto pode nos esclarecer, com propriedade e riqueza de detalhes, algo tão denso como os dilemas da sociedade atual.

"Dilemas humanos contemporâneos" é o nome do novo livro do psicanalista suíço-brasileiro René Dentz. No blog de hoje vamos entrevistá-lo!

Entrevista

Sendo um assunto complexo e partindo do pressuposto que somos leigos na área da psicologia, perguntei de forma genérica: "O que é o ser humano do século XXI?". René respondeu:

"É um ser humano em transição, que perdeu muitos fundamentos. Se formos analisar os acontecimentos do mundo atual, eles não têm propriamente uma solução por, justamente, serem novos. E muitas vezes as soluções antigas são insuficientes“

E acrescentou:

"Perder essa fundamentação não é ruim. Cria, em um primeiro momento, a sensação de abismo, sem nada para se apoiar, nenhum galho para segurar. Entretanto, por outro lado, é uma oportunidade de se livrar de determinadas amarras negativas da existência.“

"O indivíduo do século XXI está sem bússola. E o fato de estar perdido, sem saber para onde ir, gera medo e angústia. Porém, evita caminhos equivocados. Afinal esta bússola pode indicar alguma direção errada.“

René continuou dizendo que a sociedade está mais aberta, e com isso estão surgindo novos modelos de família e relacionamento, estão sendo criadas novas oportunidades neste pluralismo. Diversidade!

Perguntei quais seriam os galhos imaginários inventados como soluções, muitas vezes frágeis, para ajudar no abismo das incertezas. René esclareceu que são vários:

"A religião está em destaque, alguns contextos mais e outros menos. Eu traduziria religião não só como instituição mas também como aspecto espiritualista e metafísico.

Em uma breve pesquisa sobre a existência de determinadas instituições religiosas, me deparei com um número de práticas integrativas na Suíça bem maior do que no Brasil. Práticas orientais, que partem de uma proposta da medicina não tradicional, de uma terapia que não está pautada apenas na ciência ou na razão, mas também em uma visão do ser humano integral.

Então, mesmo quando não há um apego ou uma proposta de “saída” pela religião institucionalizada, existem os aspectos espiritualista e integrativo, sendo estes uma das escapatórias atuais. Não digo que seja bom ou ruim, mas é um dos escapes “ - respondeu René.

Além disso, outro escape pode ser o uso demasiado de remédios psicotrópicos, remédios usados para tratar depressão ou outros transtornos. Na área da educação, o uso de ritalina tem sido constante tanto no Brasil como na Suíça.

Outra solução no campo subjetivo são as compulsões. Muitas pessoas se livraram de seus vícios, como, por exemplo, tabagismo ou álcool excessivo e, infelizmente, visando suprir essa falta, iniciaram outras compulsões (como a alimentar). Entre os jovens a compulsão é por jogos eletrônicos.

" Essas “saídas” provisórias, que não estão dando conta do problema, possuem em grande parte das vezes interesses econômicos por trás. Sendo assim, penso que: ou encontramos uma ideia de solução mais integral, uma ecologia integral, o ser humano no mundo como um todo, ou encontraremos grandes dificuldades de nos mantermos vivos! " - disse René.

O comportamento humano tem a ver com a natureza. Todo esse movimento de consumo do pós-guerra, sociedade acelerada, veio como uma dependência. O desrespeito à natureza cria um impacto direto a todos nós.”

Indaguei sobre qual seria a maior felicidade e a maior frustração da sociedade atual. A resposta foi a própria transição. A mesma transição que causa medo, também é motivo de felicidade. O ser humano de 30/40/50 anos foi criado em um outro modelo de mundo, e a frustração é gerada justamente por estar apegado a esse modelo que não existe mais. A felicidade na transição, por sua vez, ocorre através da liberdade de poder se recriar,de ser melhor.

"O ser humano tirou suas máscaras e armaduras que o impediam de ver a si mesmo. Ele está mais sozinho, entretanto, ao mesmo tempo, está mais com ele próprio!“

"Atendo em meu consultório inúmeros casos de pessoas que ainda acreditam que relacionamentos amorosos serão a grande solução da sua existência. Já outras estão certas que não querem se relacionar, mas ainda assim sofrem, pois em ambos os casos aprenderam que a relação afetiva era obrigatória.Ou seja, aprenderam que alguns elementos básicos são obrigatórios para a felicidade, como se casar, ter filhos, trabalhar e aposentar.Para elas, seria como se não houvesse felicidade fora disso. No entanto, esse mundo não existe mais! Vivemos o avesso dos modelos.“

Umas das coisas mais marcantes dos dias atuais são as redes sociais. O impacto diário que elas causam é notório, porém quais seriam esses impactos exatamente?

"Muito clichê falar que a informação hoje em dia está para todos. Contudo, esse fato vem causando uma uniformidade de pensamentos. Não só de apenas pensamentos, como de sentimentos e emoções. As pessoas estão cada vez mais sendo afetadas pelas mesmas coisas e, por consequência, tendo reações emocionais parecidas, sendo o suicídio e depressão muito numerosos no mundo. "

"O sujeito contemporâneo tem seu 'eu' impactado por muitas pessoas e emoções durante o dia. Isso acontece não somente em um nível consciente, que se possa perceber, mas de forma ainda mais forte no nível inconsciente. Por isso que, as vezes pessoas mudam o rumo do seu humor durante o dia e não sabem o porquê. Esse é o maior impacto das redes sociais."

Essa padronização gera a vontade de sermos iguais, de termos o mesmo corpo, a mesma aparência, de viajarmos para os lugares "em alta", de termos roupas similares.Disputamos sucesso no trabalho e mostramos famílias "perfeitas" em fotos postadas. Inventamos um pacote completo para nos enquadrarmos nos ditames do que é certo e errado. Só que, por ironia da vida, essa atitude alimenta ainda mais aquilo que nos fere, pois ao reproduzirmos essas regras, ferimos outras pessoas e a nós mesmos. Nasce então, um ciclo vicioso.

"Cada vez mais cedo as crianças e adolescentes estão expostos ao enorme impacto das redes sociais. E por trás das redes sociais encontra-se um certo narcisismo. Decartes dizia: Penso, logo existo. Mas hoje é: Posto, logo existo. Essas crianças e adolescentes provavelmente serão adultos mais narcisistas e individualistas que os da década atual. Com muito menos chance de lidarem bem com a realidade” - salientou o psicanalista.

O especialista não demoniza o uso das mídias sociais e nem dos jogos eletrônicos. Contudo, alega que em todos os casos é preciso ter bom senso, saber extrair o melhor do mundo virtual.

Para os pais de crianças e adolescentes segue o alerta: Certifique-se de quais são os jogos eletrônicos que seus filhos costumam jogar. Verifique o quanto de realidade e concretude do mundo está acontecendo pelo virtual. Mergulhe nesse universo para entender melhor como seus filhos se sentem. É preciso que as crianças entrem nas narrativas dos jogos e saibam que aquilo não é realidade.

O que ele está fazendo? O que ele está jogando? Com quem ele está conversando? O que está passando? Quais as afetações em termos de emoções? São perguntas que os pais necessitam fazer e, obviamente, averiguar.

De forma otimista René se posicionou "um lado positivo das mídias sociais são as possibilidades de encontrar outras pessoas com a mesma realidade que a sua, por exemplo, pessoas que sofreram de bullying. Agora elas sabem que não estão sozinhas. Outro ponto positivo é encontrar novas formas de ser, de existir em diferentes tipos de indivíduos e ideias. Possibilidade que antes das redes sociais não se tinha com facilidade.“

Ou seja, conseguimos encontrar nos variados perfís das mídias sociais, exemplos similares ao nossos, que muitas vezes, nos confortam. Ou, por sua vez, exemplos completamente diferentes dos nossos, que nos confrontam, que nos fazem repensar a nossa cultura, crença, estilo de vida... Esta confrontação agrega na nossa forma de existir.

A rede social também ajuda, e muito, pequenos empreendedores a crescerem numa proporção mundial. Se alguém, em uma cidadezinha remota, tem um projeto de artesanato que queira vender para outros países, hoje existe esta chance. O alcance das mídias digitais é crucial para o crescimento de muita gente que antes não tinha esta oportunidade. Existe um mundo aberto para todos.

Posto isto, percebemos que tudo é uma questão de usarmos os dilemas contemporâneos ao nosso favor, nunca estivemos tão livres. Extraia o melhor que a tecnologia pode proporcionar. Faça do limão uma limonada!

Até a próxima!

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